Para que Avaliar?
Para conhecer melhor o aluno/a
Avaliação Inicial
Para julgar a aprendizagem durante o processo de ensino
Avaliação Contínua
Para julgar globalmente o resultado de um processo didático
Avaliação Formativa
Avaliação Final
Segundo nossas observações que são confirmadas por muitos autores, podemos responder à pergunta título deste artigo, apontando, que de modo geral serve: para classificar, castigar, definir o destino dos alunos de acordo com as normas escolares. Pode-se afirmar que a avaliação tem assumido, e já há muito tempo, uma função seletiva, uma função de exclusão daqueles que costumam ser rotulados “menos capazes, com problemas familiares, com problemas de aprendizagem, sem vontade de estudar, sem assistência familiar” e muitos outros termos parecidos.
De acordo com Luckesi (1999), a avaliação que se pratica na escola é a avaliação da culpa. Aponta, ainda, que as notas são usadas para fundamentar necessidades de classificação de alunos, onde são comparados desempenhos e não objetivos que se deseja atingir.
Os currículos de nossas escolas têm sido propostos para atender a massificação do ensino. Não se planeja para cada aluno, mas para muitas turmas de alunos numa hierarquia de séries, por idades mas, esperamos de uma classe com 30 ou mais de 40 alunos, uma única resposta certa.
Segundo Perrenoud (2000), normalmente, define-se o fracasso escolar como a conseqüência de dificuldades de aprendizagem e como a expressão de uma “falta objetiva” de conhecimentos e de competências. Esta visão que “naturaliza” o fracasso, impede a compreensão de que ele resulta de formas e de normas de excelência que foram instituídas pela escola, cuja execução revela algumas arbitrariedades, entre as quais a definição do nível de exigência do qual depende o limiar que separa aqueles que têm êxito daqueles que não o têm. As formas de excelência que a escola valoriza, se tornam critérios e categorias que incidem sobre a aprovação ou reprovação do aluno.
Continua Perrenoud (2000): As classificações escolares refletem às vezes, desigualdades de competências muito efêmeras, logo não se pode acreditar na avaliação da escola. O fracasso escolar só existe no âmbito de uma instituição que tem o poder de julgar, classificar e declarar um aluno em fracasso. É a escola que avalia seus alunos e conclui que alguns fracassam. O fracasso não é a simples tradução lógica de desigualdades reais. O fracasso é sempre relativo a uma cultura escolar definida e, por outro lado, não é um simples reflexo das desigualdades de conhecimento e competência, pois a avaliação da escola, põe as hierarquias de excelência a serviço de suas decisões. O fracasso é, assim, um julgamento institucional.
A explicação sobre as causas do fracasso passará obviamente pela reflexão de como a escola explica e lida com as desigualdades reais.
O universo da avaliação escolar é simbólico e instituído pela cultura da mensuração, legitimado pela linguagem jurídica dos regimentos escolares, que legalmente instituídos, funcionam como uma vasta rede e envolvem totalmente a escola. (Lüdke; André, M. 1986)
Compreender as manifestações práticas da prática avaliativa é ao mesmo tempo compreender aquilo que nela está oculto.
Temos ciência de que esta exclusão no interior da escola não se dá apenas pela avaliação e sim pelo currículo como um todo (objetivos, conteúdos, metodologias, formas de relacionamento, etc.). No entanto, além do seu papel específico na exclusão, a avaliação classificatória acaba por influenciar todas as outras práticas escolares.
O que significa em termos de avaliação um aluno ter obtido nota 5,0 ou média 5,0? E o aluno que tirou 4,0? O primeiro, na maioria das escolas está aprovado, enquanto o segundo, reprovado. O que o primeiro sabe é considerado suficiente. Suficiente para que? E o que ele não sabe? O que ele deixou de “saber” não pode ser mais importante do que o que ele “sabe”? E o que o aluno que tirou 4,0 “sabe” não pode ser mais importante do que aquilo que não “sabe”?
Acreditar que tais notas ou conceitos possam por si só explicar o rendimento do aluno e justificar uma decisão de aprovação ou retenção, sem que sejam analisados o processo de ensino-aprendizagem, as condições oferecidas para promover a aprendizagem do aluno, a relevância deste resultado na continuidade de estudos, é, sobretudo, tornar o processo avaliativo extremamente reducionista, reduzindo as possibilidades de professores e alunos tornarem-se detentores de maiores conhecimentos sobre aprendizagem e ensino.
A avaliação, unicamente, “medida”, ranço do positivismo, mais oculta e mistifica do que mostra, ou aponta aquilo que deve ser retomado, ser trabalhado novamente e de outra forma, o que é imprescindível que o aluno conheça. Também não podemos nos esquecer dos instrumentos utilizados para avaliar (confundida com mensuração), que fundamentam este processo decisório e necessitam de questionamentos, não só quanto a sua elaboração, mas, quanto à coerência e adequabilidade com o que foi trabalhado em sala de aula e o modo com que o que vai ser avaliado foi trabalhado.
Avaliar exige, antes que se defina aonde se quer chegar, que se estabeleçam os critérios, para, em seguida, escolherem-se os procedimentos, inclusive aqueles referentes à coleta de dados, comparados e postos em cheque com o contexto e a forma em que foram produzidos.
Para Hadji (2001), a passagem de uma avaliação normativa para a formativa, implica necessariamente uma modificação das práticas do professor em compreender que o aluno é, não só o ponto de partida, mas também o de chegada. Seu progresso só pode ser percebido quando comparado com ele mesmo: Como estava? Como está? As ações desenvolvidas entre as duas questões compõem a avaliação formativa.
A função nuclear da avaliação é ajudar o aluno a aprender e ao professor, ensinar. (Perrenoud, 1999), determinando também quanto e em que nível os objetivos estão sendo atingidos. Para isso é necessário o uso de instrumentos e procedimentos de avaliação adequados. (Libâneo, 1994, p.204).
O valor da avaliação encontra-se no fato do aluno poder tomar conhecimento de seus avanços e dificuldades. Cabe ao professor desafia-lo a superar as dificuldades e continuar progredindo na construção dos conhecimentos. (Luckesi, 1999)
No entender de Luckesi (1999, p.43) “para não ser autoritária e conservadora, a avaliação tem a tarefa de ser diagnóstica, ou seja, deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento da identificação de novos rumos”. Na página 44, coloca o autor “a avaliação deverá verificar a aprendizagem não só a partir dos mínimos possíveis, mas a partir dos mínimos necessários”
[1]. Enfatiza também a importância dos critérios, pois a avaliação não poderá ser praticada sob dados inventados pelo professor, apesar da definição desses critérios não serem fixos e imutáveis, modificando-se de acordo com a necessidade de alunos e professores.
Modificar a forma de avaliar implica na reformulação do processo didático-pedagógico, deslocando também a idéia da avaliação do ensino para a avaliação da aprendizagem.
Saviani, (2000, p.41), afirma que o caminho do conhecimento “É perguntar dentro da cotidianidade do aluno e na sua cultura; mais que ensinar e aprender um conhecimento, é preciso concretizá-lo no cotidiano, questionando, respondendo, avaliando, num trabalho desenvolvido por grupos e indivíduos que constroem o seu mundo e o fazem por si mesmos”.
“O importante não ‘é fazer como se’ cada um houvesse aprendido, mas permitir a cada um aprender”
[2]. (Perrenoud, p. 165, 1999)
Avaliar deve servir para cada vez mais permitir a cada um aprender!
Referências Bibliográficas:
HADJI, C. Avaliação demistificada. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
LIBÂNEO, J.C. Didática. 15.ed. São Paulo: Cortez, 1999.
LUCKESI. C.C.Avaliação da aprendizagem escolar. 9. ed.São Paulo: Cortez, 1999.
LüDKE, M;. André, M.E.D A. pesquisa em educação: abordagens qualitativas.6.ed.São Paulo: EPU, 1986
Perrenoud, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Porto Alegre: Artmed, 1999.
_________. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Saviani. D. Saber escolar, currículo e didática. 3.ed.Campinas: Autores Associados, 2000.
Ana Maria Avela Saul(1)
A Avaliação Educacional
A avaliação é um "casaco de várias cores"(2). Quando falamos em avaliação, com certeza não estamos fazendo referência sempre à mesma coisa; isso porque não há um só tipo de avaliação sobre o qual exista consenso.
A avaliação é uma constante em nosso dia-a-dia. Não aquela que fazemos ou que estamos comprometidos a fazer quando nos encontramos na Escola, mas um outro tipo, como aquele em que avaliamos impressões e sentimentos. Ao longo de um seminário, por exemplo, todos estaremos fazendo avaliações, procurando respostas a questões do tipo: Como é que sinto? Estou gostando? Está valendo à pena? Estou de fato construindo um novo conhecimento? É assim que, nas interações cotidianas, em casa, em nossa trajetória profissional, durante o lazer, a avaliação sempre se faz presente e inclui um julgamento de valor sobre nós mesmos, sobre o que estamos fazendo, sobre o resultado de trabalhos.
Na ação escolar, a avaliação incide sobre ações ou sobre objetos específicos - no caso, o aproveitamento do aluno ou nosso plano de ação. Avaliação, portanto, não pode ser confundida, como por vezes se faz, com o momento exclusivo de atribuição de notas ou com momentos em que estamos analisando e julgando o mérito do trabalho que os alunos desenvolveram. Vale dizer que a avaliação recai sobre inúmeros objetos, não só sobre o rendimento escolar.
Portanto, além de ser uma atividade associada intrinsecamente à nossa experiência cotidiana, a avaliação, quando se formaliza, é considerada de várias maneiras. Não se trata de um termo, como me referi inicialmente, que todos entendem da mesma forma.
A própria literatura educacional aponta diversos tipos de avaliação; por isso há quem se refira a ela como sendo "um casaco de várias cores", figuradamente, justamente para mencionar essa variedade - desde os tipos mais conhecidos, como avaliação da aprendizagem escolar ou do rendimento escolar, até as modalidades de avaliação de cursos, programas, projetos, currículos, sistemas educacionais, políticas públicas.
Enquanto professores, estamos mais inseridos na área da avaliação conhecida como avaliação da aprendizagem ou do rendimento escolar; há também quem se refira à avaliação do aluno. É ela que nos preocupa. No entanto, por vezes, somos solicitados também a nos pronunciarmos sobre outros objetos de avaliação. Por exemplo, quando assumimos a Diretoria de Orientação Técnica, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, estávamos também preocupados com outras duas áreas da avaliação educacional - a de currículo e a de políticas públicas. Tivemos então de responder, enquanto co-responsáveis pela direção da Secretaria de Educação, se a política educacional em desenvolvimento, nesta gestão, não estava correspondendo ao que se propôs. O quanto ela se aproximava ou se distanciava dessa proposta? Tentamos solucionar as questões críticas que foram diagnosticadas? Como isto se põe hoje? Esta avaliação pode e deve ser desencadeada, de um lado, por aqueles que estão dirigindo, que são responsáveis pelos programas da Secretaria e, de outro, pelos usuários, a quem as ações da política pública se dirigem. No caso da Educação, da Escola, os usuários diretos são os alunos, as famílias e também os professores e especialistas, uma vez que a política educacional da Secretaria prevê o trabalho de formação permanente e em conjunto com os profissionais que atuam diretamente com os alunos.
Minha intenção até aqui foi mapear, em linhas gerais, o campo da avaliação educacional e apresentar alguns exemplos. Trataremos, daqui para a frente, especificamente da avaliação da aprendizagem. Esta dimensão, como a própria literatura mostra, numa revisão bibliográfica feita por DAVID NETO (1977), foi, até meados de 1950, o foco mais freqüentemente estudado na área. De 1950 para cá, vamos encontrar outros focos de avaliação – de projetos alternativos, por exemplo. Assim, em 1957, para citar um exemplo, quando a questão do conhecimento em Ciências preocupava sobremaneira os norte-americanos, ressentidos de não terem sido os primeiros a lançar o Sputinik -responsabilidade dos russos -, o que aconteceu? Começaram a produzir rapidamente programas alternativos de Ciências e Física e, conseqüentemente, surgiu a preocupação com o efeito desses programas nas escolas. Isto ocorreu também no Brasil, só que com uma distância de quase duas décadas.
Nessa época, principalmente em São Paulo, as secretarias de Educação começaram a produzir propostas alternativas nas áreas do conhecimento e a se preocupar com a avaliação dessas ações curriculares. O Ministério da Educação e Cultura – MEC também passou a incentivar alguns projetos alternativos aos livros didáticos, o que, em geral, se fez acompanhar de um trabalho de treinamento de professores para desenvolverem tais projetos. Por que essa defasagem de duas décadas em relação aos Estados Unidos? Seu entendimento passa necessariamente pela análise do contexto das relações mais amplas que se estabeleciam entre a sociedade brasileira e a norte-americana, principalmente na área da Educação. Trazemos ainda uma forte marca norte-americana nas formas de trabalho, nos livros-texto, nas programações, nas ações de alteração curricular e, conseqüentemente, nas formas de avaliação.Isto tudo não se deve ao acaso, mas é explicável por várias indicações de contexto. De um lado, podemos entender por que essa transferência tem-se dado dessa forma, quando analisamos as relações econômicas internacionais. Os empréstimos contraídos pelo Brasil envolvem, contratualmente, o uso de uma parcela na Educação.
Não se trata apenas de uma recomendação. Junto a essa decisão definem-se também os meios como serão empregados os recursos. No Brasil, principalmente nos anos 60 e 62 70, tivemos uma grande incidência de recomendações explícitas nos acordos internacionais, que previram, inclusive, a presença de técnicos norte-americanos para treinamento de professores brasileiros. De outro lado, tivemos, nessa época, um grande trânsito de professores brasileiros que faziam seus mestrados e doutorados nos Estados Unidos, trazendo toda uma bibliografia norte-americana que influenciou os cursos de nossas universidades. Em decorrência disso tudo, vieram a ser produzidas ações ministeriais e das secretarias de Educação. Essa "transferência cultural", no entanto, não se deu de forma cabal, felizmente. Isto porque houve e há, sempre, um espaço para a produção da contra-ideologia, dentro tanto do País como da Escola, particularmente. As teorias que até recentemente foram estudadas como teorias da reprodução social e que destacam a Escola como um "aparelho reprodutor do Estado" hoje mostram um avanço. Vários autores conseguiram teorizar o cotidiano e a prática social, mostrando que as escolas possuem dentro delas, e a sociedade também, formas de resistência, no sentido de se oporem e recriarem a ideologia. No entanto, as formas de resistência, conforme alguns autores, dentre eles Henry GIROUX(3), existem em potencial na prática social das escolas e da sociedade como um todo, e é por isso que a História tem graus maiores ou menores de mobilidade. Do contrário, haveria um imobilismo. As vezes, esta contra-ideologia demora a aparecer devido à forte dominação, ao autoritarismo, mas a História atesta que esse movimento é possível. Há pouco, abordei brevemente a trajetória histórica da avaliação educacional, demarcando e fazendo a "crítica da transposição cultural". Com isto não quero negar o necessário conhecimento e o intercâmbio com a produção internacional. Uma coisa é a "transposição" como réplica, o que é indesejável. No entanto, não podemos cair numa posição dogmática, sectária, xenófoba, ingênua, que afirma que vamos começar a produzir tudo nacionalmente, num ufanismo nacionalista; isto seria um absurdo em termos do avanço da ciência, do conhecimento.
Devemos ter a necessária acuidade crítica para ver o que internacionalmente é produzido e verificar como nos posicionamos ante essa produção de conhecimento internacional, e como construímos um novo conhecimento a partir das nossas necessidades e a partir do conhecimento produzido nacional e internacionalmente.Com esse breve histórico, entendemos por que a avaliação da aprendizagem é da forma que é.
Há alguns anos, tive a oportunidade de fazer pesquisas por solicitação de alguns órgãos públicos sobre avaliação do rendimento escolar.
Essas pesquisas vinham sempre com a seguinte encomenda: modificar o sistema de avaliação da aprendizagem, colocado como uma das necessidades das escolas. Os professores consideravam a avaliação da aprendizagem um problema crítico; não estavam satisfeitos com a avaliação realizada e queriam mudá-la. Essa colocação eu a tenho visto repetida em várias pesquisas da Universidade e de órgãos públicos. Os professores não estão satisfeitos (salvo exceções) com a avaliação que fazem. Querem melhorar o processo de avaliação e, mais ainda, consideram que mudando a avaliação melhora-se a qualidade de ensino.
Essa tem sido uma fala freqüente de órgãos públicos, de grupos de professores e até mesmo das universidades. Muitas vezes, fui chamada à Universidade para dar assessoria no tocante à avaliação. Por que solicitaram a assessoria? Porque queriam mudar a avaliação para melhorar a qualidade do ensino. O que isto quer dizer? Em primeiro lugar, quero ressaltar que esta é uma afirmativa que, isoladamente, não pode ser sustentada. Por quê? Porque a avaliação é intrinsecamente ligada ao processo pedagógico que nós estamos desenvolvendo. A avaliação faz parte desse processo, mas não podemos fazer o caminho inverso – ter a crença de que mudando o processo de avaliação, exclusivamente, melhora-se a qualidade da Educação. Isto se toma um fetiche, quando colocado desta forma. E avaliação acabou virando um fetiche, assim como qualidade de ensino. Toma-se uma entidade que toma conta de nós, dirige nossas ações, sem muita consciência do que ela é. A avaliação tem sido colocada como o grande vilão da Escola brasileira, da educação infantil, passando pelo 19 e 2Q Graus, chegando até a Universidade. A imprensa tem mostrado muito a questão da avaliação das universidades. Isto acaba levando a conclusões lineares. Se se resolver o problema da avaliação, se todos fizerem uma avaliação bem-feita, estará resolvida a questão da qualidade do ensino. Estas afirmações acabam fazendo parte do ideário dos educadores e até mesmo do senso comum.
A avaliação deve ser melhorada sim, mas dentro do conjunto das práticas educativas do qual ela faz parte. Sem isto, não tem sentido trabalhar especificamente sobre a avaliação.
E, por causa desse fetichismo que tomou conta de conceitos e práticas como esses, está havendo uma grande inversão no cotidiano das escolas brasileiras.
A avaliação está-se tornando o centro da aula, em torno do qual tudo gira. Só que em vez de centralizar a ação nos processos de produção de conhecimento, de ensino--aprendizagem que envolvem as pesquisas e as relações professor-aluno, tudo é voltado para a avaliação. Em nome da avaliação, o aluno vai ou não vai para a Escola, faz ou não faz a lição, fala ou não fala determinadas coisas, comporta-se de uma maneira ou de outra; isto porque tem a avaliação. Os pais também caminham em função de perseguir como está a avaliação do aluno na Escola, e os professores, em geral, utilizam, durante a maior parte do tempo, a avaliação como sistema de controle da disciplina, das tarefas e de tudo o que acontece. Isso aparece nas pesquisas do cotidiano da Escola. As falas são mescladas de colocações ameaçadoras: "Olha lá, logo vamos fazer uma prova", "Se vocês brincarem, a prova vai ser mais difícil", "Eu vou fazer uma prova-relâmpago", "Cuidado com a sua nota", "Vou tirar dois pontos". O tempo todo a avaliação domina o cenário da sala de aula. Dentre os autores nacionais, um colega nosso, o professor Cipriano LUCKESI, da Bahia, vem tratando essa questão com a "pedagogia do exame". Em substituição à pedagogia do ensino-aprendizagem, da produção do conhecimento, encontramos hoje, nas escolas brasileiras, a pedagogia do exame. Esse tema originalmente foi 64 tratado pelo professor Atinge Diaz BARRIGA em seu livro Currículo e Avaliação Escola(4). Este autor mostra essas inversões e como a avaliação passou a ser o centro controlador, transformando-se em instrumento de poder do professor. "A avaliação é uma arma na mão do professor", diz a professora Maria Amélia AZEVEDO.
No entanto, a avaliação, como a vejo, pode ser uma "grande janela", através da qual podemos entrar e alterar as nossas práticas cotidianas, ou seja, o nosso projeto pedagógico. Com isso queremos significar que através da janela da avaliação é possível alterar o que desenvolvemos na sala de aula, a relação com os colegas da Escola, prevendo a própria concepção da Escola como um todo. É possível, portanto, através da preocupação com a avaliação, trabalhar no sentido de revisão do projeto pedagógico. Nas pesquisas que desenvolvi ou que outros colegas desenvolveram, vamos ver que além da grande preocupação com a avaliação, da insatisfação dos professores com a avaliação, ela tem-se caracterizado como uma prática centrada numa devolução de informações. Quando perguntávamos ao professor: "O que é que você avalia?", ele respondia: "Eu avalio o conhecimento, os aspectos cognitivos dos alunos". E quando perguntávamos aos alunos: "O que os professores avaliam?", a resposta era: "Avaliam os conceitos, as informações que foram transmitidas". Isso é muito próximo do que trata BARRIGA. A pedagogia do exame (provas, testes, ritual da avaliação) está intimamente ligada à corrente neoliberal de Educação entendida como transmissora do conhecimento. É importante entender essas relações. Por que a avaliação se tomou uma prática educacional tão poderosa? Ela faz o quê? Ela se tornou uma prática ameaçadora, uma prática autoritária. Mas ela não é isoladamente autoritária. Ela o é, porque está no bojo de um conjunto, de uma Educação entendida como transmissora de informações, que é igualmente autoritária. É neste sentido das relações da avaliação com a concepção da Educação que é importante entender que, se nós vamos mudar a avaliação, se estamos insatisfeitos com ela, para onde vamos mudá E em que relação com a concepção que temos da Educação? Nas pesquisas realizadas sobre avaliação, quando os professores disseram que queriam melhorá-la, referiam-se aos instrumentos - "Queremos aprender a fazer melhor as nossas provas"; "Nós achamos que se construirmos melhor as nossas provas, estaremos melhorando a qualidade do ensino e a gente estará sendo mais justo". O que é essa preocupação com a questão da justiça? Isto está relacionado a uma concepção de que um instrumento, quanto mais objetivo puder ser, conseguirá avaliar com maior justiça os alunos. Isto merece uma discussão.Isoladamente, o fato de se ter uma prova objetiva, com os maiores cuidados de fidedignidade, de validade, não produz a maior justiça que o professor busca. Há uma série de compreensões de como ele trabalhou durante o mês, durante o bimestre, que a questão da justiça não resolve. É importante verificar como podemos avançar e melhorar nos nossos instrumentos, mas não é esse o nó principal do processo educacional.
Isso precisa vir no conjunto das transformações das ações que se dão em sala de aula e na Escola. Se não invertermos a pedagogia da avaliação pela pedagogia do ensino-aprendizado, não vamos alterar o processo educacional. Podemos, sim, começar pela avaliação.Em várias assessorias das quais participei, começando pela avaliação - O que existe? Como fazem? Por que não satisfaz? -, verificamos o que acontecia do ponto de vista dos professores e do ponto de vista dos alunos. E aí, pela janela da avaliação, pôde-se trazer para os vários grupos de professores como os alunos entendiam a avaliação, como se sentiam diante dela e o que acontecia com ela. A pesquisa envolvia a visão e os depoimentos dos professores, tanto da ótica da crítica da avaliação, como da de suas perspectivas. Eles sabiam que os alunos também estavam sendo ouvidos, em depoimentos a respeito da avaliação. Os resultados dos alunos eram trabalhados com os professores, verificando-se as coincidências e as diferenças entre eles, dando-se início a uma discussão que partia da avaliação e ia para o projeto pedagógico da Escola. Nesse confronto de posições, eles mesmos perceberam que a questão não era apenas a avaliação e que a questão inicial não era a atribuição de notas ou conceitos, ou a diversificação e apuração dos instrumentos, ou a simplificação de sínteses, mas o projeto pedagógico proposto (pesquisa feita em trás escolas técnicas federais para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais- INEPE-1983).
Os depoimentos dos alunos a respeito de como eram avaliados e o que faziam com os resultados da avaliação, quando recebiam as notas, foram os seguintes: "Quando a nota é boa, tico contente", "Quando a nota é ruim, eu fico triste, me sinto culpado, acho que não estudei o suficiente ou não entendi direito". Poucos disseram que precisavam melhorar a produção. À pergunta "O que acontece quando você fira notas baixas, além desses sentimentos?", raramente um ou outro fez referências a retomadas, pelos professores, do que não sabiam. Isto significa que os resultados não chegavam a ser mobilizadores nem para os alunos, no sentido de fazer com que eles se envolvessem mais no processo ensino-aprendizagem, nem para os professores, no sentido de fazer com que houvesse uma retomada do trabalho.
Na discussão desses dados, o próprio grupo de professores, analisando todas as sínteses, perguntou-se para que servia, então, a avaliação. Se ela não serve aos propósitos nem de mobilizar o aluno para que se reveja, perceba o patamar de conhecimento onde está, nem de mobilizar o professor para retomar o trabalho, então ela não está cumprindo seu papel principal, que é, realmente, diagnosticar como o aluno está e poder através desse diagnóstico, analisado de diferentes pontos de vista, superar o que está ocorrendo no processo ensino-aprendizagem, no sentido de rever o que se está fazendo, dos pontos de vista do professor, do aluno e da relação ensino-aprendizagem. A avaliação também não está servindo, no caso, para que o aluno tome consciência de que isso ocorre inserido num contexto educacional como um todo.
O que acontece é que os alunos se sentem culpados pelas notas baixas e, algumas vezes, os próprios professores costumam afirmar que se o aluno não foi bem é porque não estudou, é porque não teve apoio em casa ou porque não se concentrou nas aulas. Isto é apontado tanto pelos alunos quanto pelos professores. E aí a questão dos maiores resultados acaba ficando uma questão individual do aluno.
Esta tem sido a tônica, a característica marcante do processo de avaliação. O contexto como um todo não é analisado. É claro que o fato de o aluno se interessar, estar atento, realizar uma série de ações complementares dentro e fora da Escola está associado e é importante para seu desempenho. No entanto, não é o único determinante do bom desempenho. Pensar e afirmar isto é estar apoiando o nosso raciocínio e a nossa conclusão em pressupostos individualistas, ainda de corte neoliberal: o sucesso depende do esforço individual; quem se esforça, vence, quem não se esforça, sai-se mal. Muitas vezes, esses pressupostos não são conscientes, não são explicitados, mas estão embalando as afirmações e a prática educacional. Esta mesma análise está presente na explicação da obtenção do sucesso na sociedade. As pessoas esforçadas são as que vencem. Essas explicações não levam em conta uma análise mais global da situação: que ausência de condições a sociedade impõe à grande maioria, e que privilégios concede a alguns, a uma pequena faixa desta sociedade? Esta análise está pouco presente no dia-a-dia das pessoas. A lógica do senso comum é impregnada por uma ideologia conservadora de caráter individualista, que coloca sobre o indivíduo todo o poder e a responsabilidade de seu sucesso ou fracasso: "Ele conseguiu, porque se esforçou"; "O estrangeiro, com esforço, conseguiu; o brasileiro é
preguiçoso, por isso não consegue se sair bem na vida". Esta análise conservadora mostra-se com outra roupagem, mas do mesmo jeito, dentro da Escola e dentro da avaliação. Ela veste-se de outras palavras. Então o aluno diz: "Eu não consegui"; e o professor: "Você não conseguiu, porque você não presta atenção, você está no mundo da lua, preocupado com outras coisas"; e os pais: "Olha, professor, o senhor pode puxar a orelha, pode repreendê-lo como se fosse eu". Não é raro os pais delegarem o poder de autoritarismo físico. Os próprios pais reprimem, dão castigos físicos, quando os filhos chegam com notas baixas em casa. Isso é muito comum e há pesquisas que o comprovam. Este é um quadro grave, decorrente desta avaliação, que possui um caráter ameaçador e que tem legitimado toda uma ideologia conservadora. A questão, portanto, não está exclusivamente na avaliação. Trabalhar com avaliação é importante, no sentido de que a entendamos vinculada a uma prática educacional necessária para que se saiba como se está, enquanto aluno, professor e conjunto da Escola; o que já se conseguiu avançar, como se vai vencer o que não foi superado e como essa prática será mobilizadora para os alunos, para os professores, para os pais. Aí sim, vale a pena pensar na reformulação do processo de avaliação, juntamente com a reformulação de todo o processo da Educação, servindo às nossas crenças, às nossas atuações, às nossas ações do cotidiano. É por esta razão que, diante do trabalho que vimos desenvolvendo durante estes quase três anos de administração, fizemos o esforço de trabalhar simultaneamente a mudança e a reorientação do currículo da Escola e acentuar o trabalho todo de projetos pedagógicos próprios das escolas, para que elas possam estar avançando nisso. E avançar nesse processo requer, necessariamente, uma formação permanente e constante dos profissionais, de todos os envolvidos no processo de Educação. Não seria possível, e seria também uma prática autoritária, fazer alterações do projeto político-pedagógico dentro da Secretaria da Educação sem uma discussão de fundo com as escolas, com os professores, e sem acoplar a isso um programa permanente de formação.
E é por isto também que acreditamos que o regimento, o qual as escolas acabaram de discutir, numa primeira análise, contempla um conjunto de alterações, na perspectiva de política educacional e de avaliação do processo ensino-aprendizagem; contempla, conjuntamente, um processo de alterações, que não é posto hoje, mas que, acreditamos, avança, considerando a história da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, no sentido de uma revisão deste processo, na busca de uma Escola Pública popular, democrática e de boa qualidade.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Maria Amélia. Avaliação educacional: medo e poder!!! In: Educação e
Avaliação. São Paulo: Cortez, 1980.
BARRIGA, Ángel Diaz. Curriculum y evaluación escolar. Buenos Aires: Instituto de
Estudos y Acción Social. Rey Argentina S.A. Arque Grupo Editor S.A., 1990.
GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação. Rio de Janeiro: Vozes,
1986.
SAUL, Ana Maria A. Avaliação emancipatória, desafio á teoria e a prática de
avaliação e reformulação de currículo. São Paulo: Cortez/Autores Associados,
1988.